Confira seleção de material para estudantes da área de educação.

terça-feira, 8 de março de 2016

Dez dicas para concurseiros (ou estudantes) de sucesso

1. SONHE PRIMEIRO. Ninguém consegue nenhum sucesso sem antes sonhar com ele. Descontando tudo quanto fazemos necessariamente na vida (dormir, trabalhar, comer etc.), ainda sobra um terço do nosso tempo para sonhar. Não perca nunca sua capacidade de sonhar com novos horizontes, novos conhecimentos e novos resultados. O concursando (ou estudante) de sucesso só alcança o que ele visualiza antes. Não seja, entretanto, na sua vida, só um sonhador. Transforme suas fantasias em realidade. Como? Lendo, lendo, lendo! Em outras palavras, colocando a "bunda" no banco! O HBB (horas de bunda no banco) faz toda a diferença. O grande segredo do atleta é treinar, treinar, treinar. Do concursando (ou estudante de sucesso) é ler ou escutar e entender e, para memorizar, reler, reler e reler. Porém, ler ou escutar o quê? Como? Quando? Vejamos:

2. ESTABELEÇA OBJETIVO CERTO. "Se uma embarcação não sabe aonde quer chegar, nenhum vento poderá lhe ser favorável" (Sêneca). Tenha um objetivo certo na vida (diga: eu vou ser tal coisa. Idealize o seu objetivo). Serei médico, jornalista, juiz, promotor, advogado, professor, defensor, delegado, procurador etc. Estabeleça seu objetivo e fixe prazo (meta), meios e condições (estratégias). Faça planejamento do seu futuro, de qualquer modo, saiba que todo sucesso tem medida certa e tempo certo. A improvisação não é boa companheira para se alcançar bom resultado! Isso significa assumir uma parcela de stress como parte do sucesso? Sim. O stress controlado faz parte de todo empreendimento bem sucedido.

3. COMPROMETA-SE COM SUA META. Quem quer vencer em dezembro a corrida de São Silvestre deve, desde janeiro, começar a correr. Não existe sonho nem meta que se concretize sem empenho, disciplina e muita dedicação. Na área dos concursos (das provas e dos exames) recorde que não se compra conhecimento em supermercados. Conhecimento se conquista, com muita luta e esforço. Mas vale a pena. Sua vida será outra! Engajamento (envolvimento) com sua meta é absolutamente imprescindível (tengas ganas de vencer!). Não tardará o dia do seu yes!

4. BUSQUE A INFORMAÇÃO. "Não espere que te tragam flores; plante e cuide do seu jardim" (Shakespeare). Na era da agricultura mandava quem tinha terra. Na era da indústria mandava quem tinha dinheiro ou capital. Na era da informação sobressai quem busca e obtém a informação. Busque-a incansavelmente nos livros, nas aulas, na internet etc. Anote adequadamente tudo (mais vale uma caneta na mão que mil "gigas" de memória humana). Documente o que você alcançou em termos de conhecimento. E nunca perca sua curiosidade por aprender mais coisas. Mas tenha sempre senso crítico. Há muita informação inútil que não pode tomar seu tempo (que é sagrado).

5. FOCO E DETERMINAÇÃO. "Vim, vi e venci" (Júlio César). Tenha determinação e conquiste disciplina nos seus horários de estudo, de aulas etc. Dormir é importante, mas não se pode exagerar. O Direito não socorre os que dormem! A disciplina e a determinação te trazem organização. Não seja protelatório, dispersivo, evasivo, ou seja, não perca o foco. Não fique culpando o mundo inteiro pelo seu insucesso. Quem assim procede se transforma num fracasso. O foco deve estar voltado para a solução (para o sucesso), não para o problema que te impede de alcançá-lo.

6. SEJA PERSEVERANTE. "Caminante no hay camino, el camino se hace al andar" (Antonio Machado). Não se estuda nem se faz um curso para passar, sim, até passar. Todo vencedor sabe que a perseverança é fundamental. Thomaz Edison disse: "Qualquer homem pode alcançar o êxito se dirigir os pensamentos numa direção e insistir neles até que faça alguma coisa". Ele não teria nunca chegado à lâmpada se não tivesse tentado mil vezes alcançar seu objetivo.

Não fique no meio do caminho. Quem joga a toalha perde o jogo. Quem sai do gramado nunca marca gol. Ao contrário, vai para a arquibancada. De lá você só consegue aplaudir, nunca vencer. Pedras no caminho? Construa com elas o seu castelo. Vencem os que chegam no final dele! Os que não conseguem superar os obstáculos (que configuram verdadeiros desafios) vão sendo derrotados. Os derrotados, de plano, são insucessos; às vezes chegam a constituir verdadeiros fracassos.

7. "AGE QUOD AGIS". "O sucesso é composto de 1% de inspiração e 99% de transpiração" (Thomaz Edison). Em razão disso, aplica-te completamente ao que estás fazendo. Mergulhe profundamente no que você está fazendo. Não se distraia com outra coisa: aplica toda sua atenção ao seu objetivo. Todo foco tem que ter alvo certo. Muitas vezes a questão não é ter força, sim, jeito: o artilheiro sabe bem disso. Mesmo fatigado, faça sempre o máximo que for possível. Mesmo errando, continue. Quando queremos, também aprendemos muito com nossos erros. "Não importa quantas vezes nos levantamos. O que conta é que seja sempre uma vez a mais do que aquelas em que caímos" (GARCIA, Luiz Fernando, Pessoas de resultado, São Paulo: Editora Gente, 2003, p. 109).

8. REPETIÇÃO E REVISÃO PERMANENTES. “Repetitio est mater studiorum”. Nosso cérebro não é computador, embora seja o único que pode construí-lo. Ninguém consegue assimilar todo conhecimento no primeiro contato com um determinado tema. Revisar permanentemente o que se aprendeu é fundamental. A fórmula, portanto, é a seguinte: C = I + C + M, ou seja, Conhecimento = informação + compreensão + memorização. Nunca deixe de estudar uma determinada disciplina por mais de quinze dias. Uma ou duas disciplinas todos os dias otimiza seus estudos. Em fase de concursos ou de provas, não baixe sua biblioteca inteira para estudar uma única disciplina. Apontamentos da aula e um ou dois livros em cada uma delas bastam. Deixe para fazer depois teses de mestrado ou de doutoramento.

9. SAIBA SE COMUNICAR. Vivemos não só a era da informação senão também a da comunicação. Ter a informação e não saber comunicá-la (expressá-la) é praticamente a mesma coisa que não tê-la. Comunicação verbal e por escrito. Conquiste essas habilidades, treinando o quanto for necessário. Construa sempre frases objetivas. Seja claro e objetivo nas suas exposições. Sujeito, verbo e complemento, sem rodeios e tergiversações cansativas e prolixas.

10. "CARPE DIEM". Aproveite o dia (da melhor maneira possível). Distribua suas tarefas diárias. Priorize o seu sucesso, dedique-se a ele, mas não se esqueça que você precisa também comer saudavelmente, exercitar-se regularmente etc. “Mens sana in corpore sano!” Angústias e ansiedades integram naturalmente o diaadia do concursando e do estudante. Também por essa razão é que você deve desfrutar profundamente dos momentos de pra

Gabarito do Concurso da Prefeitura de Santos - Educação - 2016


sexta-feira, 4 de março de 2016

Paulo Freire: PEDAGOGIA DA AUTONOMIA PEDAGOGIA DA AUTONOMIA SABERES NECESSÁRIOS À PRÁTICA EDUCATIVA


CAPiTULO 1 - NAo HÁ DOCÊNCIA SEM DISCÊNCIA o autor ressalta a ímportância da reflexão crítica na formação docente na prática educativa. . Como exemplo cita o ato de cozinhar , que exige o conhecimento do fogão, da regulagem da chama, da harmonização dos temperos. Mas é a prática de cozinhar, ratificando alguns daqueles saberes e retificando outros, que transforma o) novato em cozinheiro. O autor alinha e discute saberes fundamentais à prática educativo-critica ou progressista que considera obrigatórios na organização dos programas de formação docente: » Ensinar inexiste sem aprender e vice- versa. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Foi aprendendo socialmente, ao longo dos séculos, que historicamente o Homem descobriu que era possível ensinar usando maneiras, caminhos e métodos. Não há validade no ensino, se este não resulta em aprendizado. » Ensinar é um processo que deve deflagrar no aprendiz uma curiosidade crescente que poderá torná-lo mais e mais criador. Caso o educando mantenha viva em si a curiosidade, a rebeldia, a capacidade de arriscar-se, de aventurar-se, poderá ficar imune ao ensino "bancário". Fazem parte da força criadora do aprender a comparação, a repetição, a constatação, a dúvida rebelde, que superam o falso ensinar; »Ensinar exige trabalhar com os educando. a rigorosidade metódica com que devem se aproximar do conhecimento. Não se trata apenas de transmitir o conteúdo, mas faze-lo de forma critica. Exige que os educadores sejam criadores, instigadores, inquietos, humildes e persistentes. - » Ensinar exige pesquisa.: Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. É preciso ue em sua formação permanente, o professor assuma como pesquisador » Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos .construídos na prática comunitária. Exige também discutir com os alunos a razão de ser desses saberes, em relação com o ensino dos conteúdos. Ex.:.aproveitar a experiência que têm os alunos de viver em áreas das cidades descuidadas pelo poder público para discutir a poluição dos riachos, os lixões, os riscos à saúde que ocasionam. » Ensinar exige criticidade.:.A passagem da curiosidade ingênua à criticidade não se dá automaticamente. Uma das tarefas da prática educativo -progressista é desenvolver a curiosidade crítica, insatisfeita, indócil. Com ela podemos nos defender do excesso de "racionalidade" do nosso tempo altamente tecnológico. » Ensinar exige estética e ética. O ensino dos conteúdos não é puro treinamento técnico, não pode dar-se alheio à formação moral do educando. Exige profundidade e não superficialidade na compreensão te interpretação dos fatos. » Ensinar exige que as palavras sejam acompanhadas pelo exemplo. Pensar certo é fazer certo. O professor que rea1mente ensina, descarta o "faça o que eu mando e não o que eu faço". » Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação. Lembrando que o velho que é válido e que marca sua presença no tempo, continua novo. Quanto ao preconceito de raça de gênero e classe,- ofende a substantividade do ser humano e nega a democracia. I » Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática._Na educação, a reflexão critica sobre a prática impede que a teoria se torne blablablá e a prática se torne ativismo. Envolve o movimento dinâmico entre o fazer e o pensar sobre o fazer. A prática docente espontânea e "desarmada" produz um saber ingênuo feito só de experiência. Através da reflexão sobre a prática, a curiosidade ingênua, percebendo-se .como tal, vai se tornando crítica. Na sua formação docente inicial é preciso que o futuro professor saiba que o pensar certo não é um presente dos deuses, nem de iluminados intelectuais e nem se encontra pronto nos manuais. Ele tem que ser construído pelo próprio aprendiz em comunhão com o professor formador. Na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. Após assumir que a minha prática não condiz, devo ser capaz de mudar. Ex.: o simples fato de o fumante assumir que o cigarro ameaça a sua vida não significa parar de fumar; ele deve fazer a ruptura do fumo e assumir novos compromissos. O emocional ( a legítima raiva do fumo ) é um elemento fundamental na mudança. Na educação, a justa raiva contra as injustiças, contra a deslealdade, o desamor, a exploração e a violência tem um papel altamente formador. » Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural.-Uma das funções da educação crítica é dar condições aos alunos que se assumam como ser social e histórico: pensante, transformador, criador, realizador de sonhos. Isso se dá na relação uns com os outros e com o professor. Esta experiência histórica, política e social não se dá ao largo das forças que a favorecem ou daquelas que lhe são obstáculo. Os gestos de aprovação, de respeito aos sentimentos, às emoções do aluno, o cuidado com o espaço escolar ajudarão o educando a assumir-se a si mesmo e à sua classe social.. CAPÍTULO 2- ENSINAR NÃO Ê TRANSFERIR CONHECIMENTO ... Mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção. » Ensinar exige consciência do inacabamento do ser humano. Onde há vida, esta não está acabada. Daí ser imperiosa a prática formadora carregada de ética e de esperança, pois é possível intervir e melhorar o "destino". Disso, o educador consciente não pode fugir. » Ensinar exige o reconhecimento de ser condicionado.:.Como ser inacabado e consciente da sua inconclusão, o ser humano é submetido a condições, obstáculos para evoluir. Ele deve se inserir num movimento de busca constante e ter a consciência de que esses obstáculos não são eternos nem intransponíveis. Ex.: temos que nos opor ao fatalismo do discurso neoliberal , quando afirma que nada se pode fazer contra o desemprego. » Ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando. O respeito à autonomia de cada um não é um favor, mas um imperativo ético. O professor que desrespeita o gosto estético do aluno, sua linguagem, sua inquietude, que ironiza o aluno e o manda "se colocar no seu lugar" pratica uma transgressão. Também rompe com a ética aquele professor que não cumpre o seu dever de colocar limites à liberdade do aluno ou que se furta do seu dever de ensinar
 Ensinar exige bom senso. E o bom senso que me faz analisar a todo instante a minha prática e a tomar as decisões. É o bom senso que adverte o professor de que:Exercer a autoridade tomando decisões, orientando atividades, cobrando a produção individual e coletiva da classe não é sinal de autoritarismo. Não aceitar o trabalho do aluno fora do prazo, apesar das justificativas que apresentou serem convincentes é insensibilidade. É negativo, da mesma forma, o desrespeito pleno pelos princípios reguladores da entrega dos trabalhos . Há algo a ser compreendido no comportamento do aluno assustado, distante, medroso, escondendo-se até de si mesmo. » Ensinar exige humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores. A luta em favor da educação e dos educadores passa pela luta por salários dignos. O descaso do poder público nesse sentido é tanto que podemos correr o risco de cruzar os braços achando que "não há o que fazer". Entretanto, uma das formas de luta é a nossa recusa de transformar a nossa prática docente em um "bico" ou de exercê-Ia como prática afetiva de "tia ou tio". É como profissionais idôneos que se organizam politicamente que está a força dos educadores. Os órgãos de classe deveriam priorizar o empenho de formação permanente dos quadros do magistério como tarefa política e repensar a eficácia das greves. Não é parar de lutar, mas reinventar a forma histórica de lutar. » Ensinar exige apreensão da realidade. Se o professor tem uma prática progressista, sua prática não pode ser neutra. Deve estar atento ao fato de que seu trabalho pode ser um estimulo à superação. Deve haver o respeito à pessoa que queira mudar ou que se recuse a mudar. Contudo, o professor não deve esconder-lhe a sua postura. Ex.: numa conversa pública, um jovem disse a Paulo Freire: " Não entendo como o senhor defende os sem- terra, no fundo uns baderneiros" . "Pode haver baderneiros entre os sem- terra", respondeu o professor, "mas sua luta é legítima e ética; baderneira é a resistência de quem se opõe a ferro e fogo à reforma agrária". Embora a conversa tenha terminado aí, foi importante que o professor tenha dito o que pensava. » Ensinar exige alegria e esperança. Sem a esperança não haveria a História, mas puro determinismo. A desesperança nos imobiliza. A pessoa progressista que não teme a novidade, que se sente mal com as injustiças, que se ofende com as discriminações, que recusa o fatalismo, deve ser criticamente esperançosa. » Ensinar exige a convicção de que a mudança é possível.=.O educador progressista vê a História como possibilidade e não como determinação. O futuro para ele é problemático, mas não inexorável. Constata o mundo, não para adaptar-se, mas para mudar. . Percebe as resistências das classes populares como manhas necessárias à sobrevivência. Ex.: o sincretismo religioso afro- brasileiro expressa a resistência ou manha com que a cultura africana se defendia do colonizador branco. Uma das questões centrais é evoluir de posturas rebeldes para posturas revolucionárias que nos engajam no processo de transformação do mundo. Não se trata de impor à população oprimida que se rebele para mudar o mundo. Trata-se de, simultaneamente ao trabalho que se realiza - alfabetizar, evangelizar - desafiar os grupos populares a perceberem em termos críticos a violência concreta. Não como destino ou vontade de Deus, mas como algo que pode ser mudado. O poder dominante tenta inculcar no dominado a culpa pela sua situação. Isso deve ser desvelado também. O educador progressista, entretanto, descarta a -tática do "quanto pior melhor"; nem tampouco deixa relegado a um segundo plano o ensino, transformando a classe num "comício-libertador". » Ensinar exige curiosidade. O educador entregue a procedimentos autoritários dificulta o exercício da curiosidade do educando e tolhe sua própria curiosidade. O bom clima pedagógico é aquele em que o educando vai aprendendo na prática que o limite da sua curiosidade e da sua liberdade é a privacidade do outro.formas de autoritarismo e licenciosidade, que precisamos superar principalmente através do diálogo. CAPÍTULO 3 - ENSINAR Ê UMA ESPECIFICIDADE HUMANA» Ensinar exige segurança, competência profissional e generosidade. Nenhuma autoridade docente se exerce se não existe a competência profissional. O professor deve levar a sério sua tarefa, estudar, se esforçar para estar à altura dela, ou não terá força moral para coordenar as atividades de sua classe. Outra qualidade indispensável à autoridade é a generosidade. Esta descarta tanto a arrogância no trato com “os outros”, como à indulgência macia no trato com “os seus”. cap. 3 cont... ”. O clima de respeito nasce de relações justas, sérias, humildes, generosas, em que a autoridade docente e as liberdades dos alunos se assumem eticamente. » Ensinar exige comprometimento._Não posso ser professor sem me colocar diante dos alunos, sem revelar minha maneira de ser, de pensar politicamente, sem me submeter à apreciação dos alunos. Não posso passar despercebido pelos alunos e isso aumenta em mim os cuidados com o meu desempenho. Minha presença de professor é uma presença política; não posso ser uma omissão, mas um sujeito de opções. » Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo. Neutra, a educação nunca foi, é, ou será. Exige do professor uma definição, uma tomada de posição. A intervenção, além do conhecimento dos conteúdos bem ou mal ensinados e/ou aprendidos implica tanto o esforço de reprodução da ideologia dominante, quanto o seu desmascaramento. É o aspecto contraditório da educação. Nem somos seres determinados, nem livres de condicionamentos genéticos, culturais, de classe, de gênero, que nos marcam. Do ponto de vista dos interesses dominantes, a educação deve ser prática imobilizadora e ocultadora. Quando a classe dominante é progressista, o é "pela metade". Ex.: o empresariado urbano pode mostrar-se progressista face à reforma agrária, mas retrógrado diante dos interesses do mercado. O educador consciente e critico não atribui a "forças cegas" os danos que a obediência irrestrita à lei do mercado causa aos seres humanos. Reconhece que não há fatalidade no desemprego e na miséria. » Ensinar exige liberdade e autoridade._Para o professor é dificil, muitas vezes, caminhar com naturalidade entre a autoridade e a liberdade. É importante se estabelecer os limites, sem os quais a liberdade se transforma em licenciosidade. A liberdade amadurece no confronto com outras liberdades, na defesa de seus direitos face à autoridade dos pais, professores, do Estado. Para exercitar a liberdade é preciso aprender a tomar decisões. É decidindo que se aprende a decidir. É correndo o risco e assumindo as conseqüências das decisões que se tomou. Este processo fundamenta a autonomia. Uma pedagogia da autonomia deve estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, que constroem a liberdade. » Ensinar exige tomada consciente de decisões._O que cabe ao educador consciente de que a educação não é neutra é forjar em si um saber especial, que jamais deve abandonar: se a educação não pode tudo, alguma coisa fundamental a educação pode. Se a educação não é a chave das transformações sociais, não é também simplesmente reprodutora da ideologia dominante. O educador não pode transformar o país, mas pode demonstrar que é possível mudar, dada a importância de sua tarefa político- pedagógica. » Ensinar exige saber escutar._Quem tem o que dizer deve assumir o dever de desafiar quem escuta para que este fale, responda. O educador autoritário comporta-se como proprietário da verdade e discorre sobre ela, numa atitude intolerável. Sua fala se dá num espaço silenciado. Ao contrário, o educador democrático aprende a falar escutando. Está mais interessado em comunicar do que em fazer comunicados, em escutar a indagação, a dúvida, a criação de quem escutou. » Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica. A força da ideologia fatalista é querer convencer os prejudicados das economias submetidas de que a realidade é assim mesmo, de que não há nada o que fazer a não ser seguir a ordem natural dos fatos. Quando o discurso da globalização fala de ética, se refere à do mercado. Não àquela da solidariedade, a favor dos legítimos interesses humanos. A liberdade do comércio não pode estar acima da liberdade do ser humano. .. O progresso científico e tecnológico que não responde aos interesses humanos , perde a sua significação. A todo avanço tecnológico que ameace mulheres e homens de perder o seu trabalho, deveria haver uma resposta imediata. Pois é uma questão ética e política e não só tecnológica. Não se trata de inibir a pesquisa, mas de colocá-Ia a serviço dos seres humanos. Por causa de tudo isso, como professor, deve-se estar atento ao discurso que proclama a morte das ideologias. Este, sim, altamente ideológico, que ameaça anestesiar as mentes, confundir , distorcer a percepção dos fatos.» Ensinar exige disponibilidade para o diá1ogoo~Nas relações com outros que não fizeram a mesma opção política, ética, estética ou pedagógica, é no respeito às diferenças, na coerência entre o que se diz e o que se faz que se constrói a disponibilidade para o diálogo. Deveria fazer parte da aventura docente a abertura respeitosa ao outro e a reflexão critica conjunta. A razão ética desta abertura possibilita o diálogo. » Ensinar exige querer bem aos educandos: É preciso descartar como falsa a separação entre seriedade docente e afetividade. A prática docente deve ser vivida com alegria, afetividade, emoção e sentimento .. Sem prescindir da formação científica séria, da clareza política, da luta por seus direitos e pela dignidade de sua tarefa.

LER E ESCREVER NA ESCOLA: O REAL, O POSSÍVEL E O NECESSÁRIO. Delia Lerner

LER E ESCREVER NA ESCOLA: O REAL, O POSSÍVEL E O NECESSÁRIO. Delia Lerner  PORTO ALEGRE: ARTMED, 2002 
Este livro traz a dimensão de trabalhar na escola,  as práticas de leitura e escrita como objetos de ensino,  isto é,  a transformação da prática docente na alfabetização básica. Capítulo 1: LER E ESCREVER NA ESCOLA: O REAL, O POSSÍVEL E O NECESSÁRIO O que se põe como necessário para nós é o enfrentamento do real no intuito de formar alunos praticantes da cultura escrita. Para tanto é necessário redimensionar o ensino das práticas de leitura e escrita como práticas sociais. Precisamos formar uma comunidade de leitores e escritores. Para esse redimensionamento é preciso olhar e analisar cinco questões presentes na escola: 1-A escolarização das práticas de leitura e escrita e de escrita proporciona problemas intensos; Para trabalhar na escola as práticas sociais reais é necessário uma mudança no processo de democratização do conhecimento e da função implícita de reproduzir a ordem social estabelecida. 2-Os fins que se notam na escola ao ler e escrever são diferentes dos que dirigem a leitura e a escrita fora dela – não há função social real; Para uma aprendizagem significativa é necessário aliar os propósitos didáticos e os propósitos comunicativos de ler e escrever. 3-A inevitável distribuição dos conteúdos no tempo pode levar a parcelar o objeto de ensino; As práticas de leitura e escrita são totalmente indissociáveis que sobrevivem a divisão e à sequenciação dos conteúdos. 4-A necessidade institucional de controlar a aprendizagem leva a pôr em primeiro lugar os aspectos mais compreensíveis da avaliação; 5-A maneira como se distribuem os direitos e obrigações entre o professor e os alunos, determina quais são os conhecimentos e estratégias que as crianças têm ou não a oportunidade de exercer e, portanto quais poderão ou não aprender. Como o dever do professor é avaliar, o aluno tem poucas oportunidades de auto controlar o que compreendem ao ler e de auto corrigir seus escritos. O POSSÍVEL a fazer é aliar os propósitos da instituição escolar aos propósitos educativos de formar leitores e escritores, criando condições didáticas favoráveis a uma versão escolar mais próxima da versão social dessas práticas. Para esse fim é necessário: a)A elaboração de um projeto curricular; b)Articulação dos objetivos didáticos com objetivos comunicativos, essa articulação pode efetivar-se através de uma modalidade organizativa sabida que são os projetos de produção-interpretação; c)Os projetos orientam as ações para a realização de um objetivo compartilhado. É imprescindível compartilhar a função avaliadora. Capítulo 2 : PARA TRANSFORMAR O ENSINO DA LEITURA E DA ESCRITA. Para que a escola produza transformações substanciais com o objetivo de tornar as práticas de leitura e escrita significativas: Formar praticantes da leitura e da escrita e não apenas decifradores do sistema de escrita. Formar seres humanos críticos aptos de ler entrelinhas e de adotar uma posição própria. Formar pessoas desejosas de embrenhar-se em outros mundos possíveis que a leitura oferece, disposta a identificar com o semelhante ou solidarizar-se com o desigual e hábil de admirar a qualidade literária. Orientar ações para constituição de escritores, de pessoas que saibam informar-se por escrito com os demais e com elas mesmas. Atingir produções de língua escrita conscientes da pertinência e da importância de dar certo tipo de mensagem em determinado tipo de posição social. O desafio é que as crianças manejem com eficácia os diversos escritos que circulam na sociedade. Obter que a escrita aceite de ser na escola apenas um objeto de avaliação para se constituir num objeto de ensino. Gerar a descoberta do emprego da escrita como instrumento de raciocínio sobre o próprio pensamento, como recurso para organizar e reorganizar o próprio conhecimento.
Resistir a discriminação que a escola age atualmente, não só quando cria fracasso explícito daqueles que não conseguem alfabetizar, como também quando impede aos outros que aparentemente não fracassam, chegar a ser leitores e produtores de textos competentes e independentes. O desafio é combater a discriminação unir esforços para alfabetizar todos os alunos assegurando a apropriação da leitura e escrita como ferramentas essenciais ao progresso cognoscitivo e der crescimento pessoal. É POSSÍVEL MUDANÇA NA ESCOLA? A instituição sofre uma verdadeira tensão entre dois pólos contraditórios: A rotina repetitiva e a moda são obstáculos para a verdadeira mudança. As mudanças acima apontadas só serão possíveis através da capacitação qualitativa dos professores e da instituição escolar.Será preciso estudar os mecanismos ou fenômenos que ocorrem na escola e impedem que todas as crianças se apropriem dessas práticas sociais de leitura e escrita. ACERCA DO “CONTRATO DIDÁTICO” O contrato didático serve para deixar claro aos professores e alunos suas parcelas de responsabilidades na escola e na relação ensino/aprendizagem. Estabelecer objetivo por ciclo para diminuir a fragmentação do conhecimento; Atribuir maior visibilidade aos objetivos gerais do que aos específicos; Evitar o estabelecimento de uma correspondência termo a termo entre os objetivos e atividades; Ultrapassar o tradicional isolamento entre a “apropriação do sistema de escrita” e “”desenvolvimento da leitura e escrita” Vale lembrar que as mudanças são possíveis se o coletivo escolar assim o fizer. A escola deve se tornar um ambiente de formação da comunidade leitora e escritora. No caso da alfabetização, duas questões são fundamentais: assegurar a formação de leitores e produtores de textos e considerar como eixo de formação o conhecimento didático CAPÍTULO 3: APONTAMENTOS A PARTIR DA PERSPECTIVA CURRICULAR Os documentos curriculares devem aliar o objeto de ensino com as possibilidades do sujeito de atribuir um sentido pessoal a esse saber. Não devem se caracterizar documentos prescritivos. Os documentos curriculares devem ter como foco a adoção de decisões acerca de conteúdos que devem ser ensinados: importante decidir o que vai se ensinar com vistas no objeto social e com qual hierarquização, isto é, o que é prioritário. O que deve permear essas escolhas são os verdadeiros objetivos da educação: incorporar as crianças à comunidade de leitores e escritores, e formar cidadãos da cultura escrita. Lerner aponta que a leitura não deve ser sem um propósito específico. A leitura e a escrita nascem sempre interpoladas nas relações com as pessoas, supõem intercâmbios entre leitores acerca dos textos: interpretar, indicar, contestar, intercambiar e outros. Esse é o verdadeiro sentido social dessa prática. Os comportamentos do leitor e do escritor são conteúdos e não tarefas, porque são aspectos do que se espera que os alunos aprendam. Comportamento leitor: explanar, recomendar, repartir, confrontar, discutir, antecipar, reler, saltar, identificar, adaptar e outros. Comportamento do escritor: planejar, textualizar, revisar. A escola precisa permitir o acesso aos textos através da leitura em suas diferentes funções. CAPÍTULO 4: É POSSIVEL LER NA ESCOLA? Na escola é necessário trabalhar a leitura com duplo propósito: o propósito didático e o propósito comunicativo. O primeiro propósito corresponde a ensinar certos conteúdos constitutivos da prática social da leitura, com a finalidade de que o aluno possa utilizá-la no futuro, em situações não-didáticas. O segundo propósito é da perspectiva do aluno. Como trabalhar os dois propósitos: Através de projetos que aliam a aprendizagem a uma função real para os alunos. Ler para definir um problema problema prático; Ler para se informar de um tema interessante; Ler para escrever ou produzir um texto; Ler para buscar informações específicas; Ler para escolher, entre os contos, poemas ou romances. GESTÃO DO TEMPO, APRESENTAÇÃO DE CONTEÚDOS E ORGANIZAÇÃO DAS ATIVIDADES É fundamental para o trabalho com essa diferente visão produzir uma transformação qualitativa na utilização do tempo didático. Manejar com flexibilidade a duração das situações didáticas e tornar possível a retomada dos próprios conteúdos em diferentes ocasiões e a partir de perspectivas diversas. As práticas sociais de leitura e escrita tornam-se mais significativas e têm seus objetivos cumpridos ao organizar a rotina dentro das modalidades didáticas: Projetos – apresentam assuntos nos quais a leitura ganha sentido cujos múltipos aspectos se articulam para a elaboração de um produto tangível. Atividades Habituais – repetem-se de forma metódica previsível uma vez por semana ou por quinzena, durante vários meses ou ao longo de todo ano escolar. Sequências de atividades – são dirigidas para se ler com crianças diversos exemplares de um mesmo gênero de gêneros diferentes obras de um mesmo autor ou diferentes textos sobre um mesmo tema; incluem situações de leitura cujo único propósito explícito e compartilhado com as crianças, é ler. Situações independentes: estas dividem-se em situações ocasionais e situações de sistematização ACERCA DO CONTROLE: AVALIAR A LEITURA E ENSINAR A LER A avaliação é fundamental no processo escolar, pois possibilita verificar se os alunos aprenderam o que o professor se propôs ensinar. Para evitar que a pressão da avaliação se torne um obstáculo para a formação de leitores, é obrigatório, por um lado por em primeiro plano os propósitos referentes à aprendizagem de tal modo que não se subordinem ao controle e por outro lado criar modalidades de trabalho em o controle seja responsabilidade do aluno. O professor como um ator no papel de leitor O professor como leitor proficiente é um modelo fundamental para os alunos. É necessário que leia e informe aos alunos tudo que é pertinente à leitura,: estratégias eficazes quando a leitura é compartilhada, como delegar a leitura, individual ou coletiva, às crianças , o professor está ensinando a ler . Ele é modelo de leitor das crianças Neste capítulo a autora conclui: É possível sim ler na escola se: se consegue produzir uma mudança qualitativa na gestão do tempo didático, se se concilia a necessidade de avaliar com as prioridades do ensino e da aprendizagem, se se redistribuem as responsabilidades de professor e alunos em relação à leitura para tornar possível a formação de leitores autônomos, se se desenvolvem na sala de aula e na instituição projetos que dêem sentido à leitura, que promovam o funcionamento da escola como uma microssociedade de leitores e escritores em que participem crianças, pai e professores, então..... sim é possível ler na escola. Capítulo 5: O PAPEL DO CONHECIMENTO DIDÁTICO NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR A conceitualização da especificidade do conhecimento didático e a reflexão sobre a prática são apontadas pela autora como dois fatores importantes no trabalho de capacitação de professores. O saber didático ainda que se apóie em saberes produzidos por outras ciências, não pode ser deduzido simplesmente deles é também o resultado do estudo sistemático das interações que se produzem entre professor e aluno, os alunos e o objeto de ensino, é produto da análise das relações entre ensino e aprendizagem de cada conteúdo específico, é elaborado através da investigação rigorosa do funcionamento das situações didáticas. O registro realizado pelo professor é fundamental para dar vida ao conhecimento didático: quando se torna objeto de reflexão faz da prática do professor uma prática consciente e possível de mudança. 

O que é letramento e alfabetização


O que é letramento e alfabetização
Janeiro/99
por Magda Becker Soares

Neste texto, vamos discutir conceitos e, portanto, palavras, ou, se quiserem, vamos discutir palavras e, portanto, conceitos: os conceitos alfabetização e letramento, as palavras alfabetização e letramento.
Em um primeiro momento, gostaria de fazer um "passeio" pelo campo semântico em que se inserem essas palavras, esses conceitos. São palavras de uso comum, conhecidas, exceto talvez letramento, palavra ainda desconhecida ou mal entendida, ou ainda não plenamente compreendida pela maioria das pessoas, porque é palavra que entrou na nossa língua há muito pouco tempo.
ALFABETIZAÇÃO
ALFABETIZAR            ALFABETIZADO
ANALFABETISMO             ANALFABETO
LETRAMENTO
LETRADO             ILETRADO
ALFABETISMO

Não precisamos definir essas palavras, porque estamos familiarizados com elas, talvez com exceção apenas da palavra letramento. Mas vou me deter nelas para conduzir nossa reflexão em direção ao sentido de letramento.
Vejamos as definições que aparecem no dicionário Aurélio:
analfabetismo: estado ou condição de analfabeto
a(n) + alfabet + ismo
-izar:
sufixo,
indica: tornar, fazer com que.
Exemplos:
suavizar: tornar suave;
industrializar: tornar industrial
Alfabetizar é tornar o indivíduo capaz de ler e escrever.
Alfabetização: ação de alfabetizar
Alfabet + iza(r) + ção
-ção:
sufixo que forma substantivos
indica: ação
Exemplos:
traição: ação de trair
nomeação: ação de nomear

Alfabetização é a ação de alfabetizar, de tornar "alfabeto".
Causa estranheza o uso desa palavra "alfabeto", na expressão "tornar alfabeto". É que dispomos da palavra analfabeto, mas não temos o contrário dela: temos a palavra negativa, mas não temos a palavra positiva.
É no campo semântico dessas palavras que conhecemos bem - analfabetismo, analfabeto, alfabetização, alfabetizar - que surge a palavra letramento. Como surgiu essa palavra e o que quer ela dizer?
LETRAMENTO?
Conhecemos as palavras letrado e iletrado:
Letrado: versado em letras, erudito
iletrado: que não tem conhecimentos literários

uma pessoa letrada = uma pessoa erudita, versada em letras (letras significando literatura, línguas)
uma pessoa iletrada = uma pessoa que não tem conhecimentos literários, que não é erudita; analfabeta, ou quase analfabeta.
O sentido que temos atribuído aos adjetivos letrado e iletrado não está relacionado com o sentido da palavra letramento.
A palavra letramento ainda não está dicionarizada, porque foi introduzida muito recentemente na língua portuguesa, tanto que quase podemos datar com precisão sua entrada na nossa língua, identificar quando e onde essa palavra foi usada pela primeira vez.
Parece que a palavra letramento apareceu pela primeira vez no livro de Mary Kato: No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística, de 1986.
A palavra letramento não é, como se vê, definida pela autora e, depois dessa referência, é usada várias vezes no livro; foi, provavelmente, essa a primeira vez que a palavra letramento apareceu na língua portuguesa - 1986.
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Depois da referência de Mary Kato, em 1986, a palavra letramento aparece em 1988, no livro que, pode-se dizer, lançou a palavra no mundo da educação, dedica páginas à definição de letramento e busca distinguir letramento de alfabetização: é o livro Adultos não alfabetizados - o avesso do avesso, de Leda Verdiani Tfouni (São Paulo, Pontes, 1988, Coleção Linguagem/Perspectivas) um estudo sobre o modo de falar e de pensar de adultos analfabetos.
Mais recentemente, a palavra tornou-se bastante corrente, aparecendo até mesmo em título de livros, por exemplo: Os significados do letramento, coletânea de textos organizada por Ângela Kleiman, (Campinas, Mercado das Letras, 1995) e Alfabetização e letramento, da mesma Leda Verdiani Tfouni, anteriormente mencionada (São Paulo, Cortez, 1995, Coleção Questões de nossa época).
Na busca de esclarecer o que seja letramento, talvez seja interessante refletirmos sobre o seguinte: vivemos séculos sem precisar da palavra letramento; a partir dos anos 80, começamos a precisar dessa palavra, inventamos essa palavra - por quê, para quê?
Por que aparecem palavras novas na língua?
Resposta:
Na língua sempre aparecem palavras novas quando fenômenos novos ocorrem, quando uma nova idéia, um novo fato, um novo objeto surgem, são inventados, e então é necessário ter um nome para aquilo, porque o ser humano não sabe viver sem nomear as coisas: enquanto nós não as nomeamos, as coisas parecem não existir.
Um exemplo:
hoje em dia se usa com muita freqüência a palavra globalização, abrimos o jornal e lá está a palavra globalização; poucos anos atrás, ninguém usava essa palavra, não no sentido com que a estamos usando atualmente. Por que surgiu a palavra globalização( Porque surgiu um fenômeno novo na economia mundial, e foi preciso dar um nome a esse fenômeno novo -surge assim a palavra nova.
Outros exemplos
Portanto: o termo letramento surgiu porque apareceu um fato novo para o qual precisávamos de um nome, um fenômeno que não existia antes, ou, se existia, não nos dávamos conta dele e, como não nos dávamos conta dele, não tínhamos um nome para ele.
Três perguntas precisam agora ser respondidas:
Qual é o significado dessa palavra letramento?
Por que surgiu essa nova palavra, letramento?
Onde fomos buscar essa nova palavra, letramento?
Comecemos por responder à última pergunta.
Onde fomos buscar a palavra letramento?
Na verdade, a palavra letramento é uma tradução para o Português da palavra inglesa literacy; os dicionários definem assim essa palavra:
literacy = the condition of being literate
littera + cy
palavra latina = letra

-cy: sufixo, indica qualidade, condição, estado. Exemplo: innocency: condição de inocente.

Traduzindo a definição acima, literacy é "a condição de ser letrado" - dando à palavra letrado" sentido diferente daquele que vem tendo em português. Em inglês, o sentido de literate é:
literate: educated; especially able to read and write (educado; especificamente, que tem a habilidade de ler e escrever)
Literate é, pois, o adjetivo que caracteriza a pessoa que domina a leitura e a escrita, e literacy designa o estado ou condição daquele que é literate, daquele que não só sabe ler e escrever, mas também faz uso competente e freqüente da leitura e da escrita.
Há, assim, uma diferença entre saber ler e escrever, ser alfabetizado, e viver na condição ou estado de quem sabe ler e escrever, ser letrado (atribuindo a essa palavra o sentido que tem literate em inglês). Ou seja: a pessoa que aprende a ler e a escrever - que se torna alfabetizada - e que passa a fazer uso da leitura e da escrita, a envolver-se nas práticas sociais de leitura e de escrita - que se torna letrada - é diferente de uma pessoa que ou não sabe ler e escrever - é analfabeta - ou, sabendo ler e escrever, não faz uso da leitura e da escrita - é alfabetizada, mas não é letrada, não vive no estado ou condição de quem sabe ler e escrever e pratica a leitura e a escrita.
O adjetivo letrado, e seu feminino letrada serão usados no restante deste texto com um significado que não é o que têm (por enquanto) nos dicionários: serão usados para caracterizar a pessoa que, além de saber ler e escrever, faz uso freqüente e competente da leitura e da escrita. Serão usados também os adjetivos iletrado/iletrada como seus antônimos.
Estado ou condição: essas palavras são importantes para que se compreendam as diferenças entre analfabeto, alfabetizado e letrado; o pressuposto é que quem aprende a ler e a escrever e passa a usar a leitura e a escrita, a envolver-se em práticas de leitura e de escrita, torna-se uma pessoa diferente, adquire um outro estado, uma outra condição.
Socialmente e culturalmente, a pessoa letrada já não é a mesma que era quando analfabeta ou iletrada, ela passa a ter uma outra condição social e cultural - não se trata propriamente de mudar de nível ou de classe social, cultural, mas de mudar seu lugar social, seu modo de viver na sociedade, sua inserção na cultura - sua relação com os outros, com o contexto, com os bens culturais torna-se diferente.
Há a hipótese de que tornar-se letrado é também tornar-se cognitivamente diferente: a pessoa passa a ter uma forma de pensar diferente da forma de pensar de uma pessoa analfabeta ou iletrada.
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Tornar-se letrado traz, também, conseqüências lingüísticas: alguns estudos têm mostrado que o letrado fala de forma diferente do iletrado e do analfabeto; por exemplo: pesquisas que caracterizaram a língua oral de adultos antes de serem alfabetizados, e a compararam com a língua oral que usavam depois de alfabetizados, concluíram que, após aprender a ler e a escrever, esses adultos passaram a falar de forma diferente, evidenciando que o convívio com a língua escrita teve como conseqüências mudanças no uso da língua oral, nas estruturas lingüísticas e no vocabulário.
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Enfim: a hipótese é que aprender a ler e a escrever e, além disso, fazer uso da leitura e da escrita transformam o indivíduo, levam o indivíduo a um outro estado ou condição sob vários aspectos: social, cultural, cognitivo, lingüístico, entre outros.
Tentamos responder, até aqui, a uma das três perguntas anterior. Busquemos, agora, a resposta à primeira pergunta.
Finalmente, uma definição de letramento
Chegamos finalmente à palavra e ao conceito letramento:
letra + mento
forma portuguesa da palavra latina littera

-mento: sufixo, indica resultado de uma ação. Exemplo: ferimento = resultado da ação de ferir.
Portanto: letramento é o resultado da ação de "letrar-se", se dermos ao verbo "letrar-se" o sentido de "tornar-se letrado".
LETRAMENTO
Resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e escrita
O estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo
como conseqüência de ter-se apropriado da escrita e de suas práticas sociais
Observação importante: ter-se apropriado da escrita é diferente de ter aprendido a ler e a escrever: aprender a ler e escrever significa adquirir uma tecnologia, a de codificar em língua escrita e de decodificar a língua escrita; apropriar-se da escrita é tornar a escrita "própria", ou seja, é assumi-la como sua "propriedade" .
Outros exemplos
Retomemos a grande diferença entre alfabetização e letramento, entre alfabetizado e letrado: um indivíduo alfabetizado não é necessariamente um indivíduo letrado; alfabetizado é aquele indivíduo que sabe ler e escrever; já o indivíduo letrado, o indivíduo que vive em estado de letramento, é não só aquele que sabe ler e escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita, responde adequadamente às demandas sociais de leitura e de escrita.
Letramento definido num poema
Uma estudante norte-americana, de origem asiática, Kate M. Chong, ao escrever sua história pessoal de letramento, define-o em um poema:
O QUE É LETRAMENTO?
Letramento não é um gancho
em que se pendura cada som enunciado,
não é treinamento repetitivo
de uma habilidade,
nem um martelo
quebrando blocos de gramática.
Letramento é diversão
é leitura à luz de vela
ou lá fora, à luz do sol.
São notícias sobre o presidente
O tempo, os artistas da TV
e mesmo Mônica e Cebolinha
nos jornais de domingo.
É uma receita de biscoito,
uma lista de compras, recados colados na geladeira,
um bilhete de amor,
telegramas de parabéns e cartas
de velhos amigos.
É viajar para países desconhecidos,
sem deixar sua cama,
é rir e chorar
com personagens, heróis e grandes amigos.
É um atlas do mundo,
sinais de trânsito, caças ao tesouro,
manuais, instruções, guias,
e orientações em bulas de remédios,
para que você não fique perdido.
Letramento é, sobretudo,
um mapa do coração do homem,
um mapa de quem você é,
e de tudo que você pode ser.
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O poema mostra que letramento é muito mais que alfabetização. Ele expressa muito bem como o letramento é um estado, uma condição: o estado ou condição de quem interage com diferentes portadores de leitura e de escrita, com diferentes gêneros e tipos de leitura e de escrita, com as diferentes funções que a leitura e a escrita desempenham na nossa vida. Enfim: letramento é o estado ou condição de quem se envolve nas numerosas e variadas práticas sociais de leitura e de escrita.
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Por que surgiu a palavra letramento?
A palavra analfabetismo nos é familiar, usamos essa palavra há séculos, ela já está presente em textos do tempo em que éramos Colônia de Portugal. É um fenômeno interessante: usamos, há séculos, o substantivo que nega (recorde a análise da palavra analfabetismo na página 2: a(n) + alfabetismo = privação de alfabetismo), e não sentíamos necessidade do substantivo que afirmasse: alfabetismo ou letramento. Por que só agora, no fim do século XX, a palavra letramento se tornou necessária?
Palavras novas aparecem quando novas idéias ou novos fenômenos surgem. Convivemos com o fato de existirem pessoas que não sabem ler e escrever, pessoas analfabetas, desde o Brasil Colônia, e ao longo dos séculos temos enfrentado o problema de alfabetizar, de ensinar as pessoas a ler e escrever; portanto: o fenômeno do estado ou condição de analfabeto nós o tínhamos (e ainda temos...), e por isso sempre tivemos um nome para ele: analfabetismo.
À medida que o analfabetismo vai sendo superado, que um número cada vez maior de pessoas aprende a ler e a escrever, e à medida que, concomitantemente, a sociedade vai se tornando cada vez mais centrada na escrita (cada vez mais grafocêntrica), um novo fenômeno se evidencia: não basta apenas aprender a ler e a escrever. As pessoas se alfabetizam, aprendem a ler e a escrever, mas não ncessariamente incorporam a prática da leitura e da escrita, não necessariamente adquirem competência para usar a leitura e a escrita, para envolver-se com as práticas sociais de escrita: não lêem livros, jornais, revistas, não sabem redigir um ofício, um requerimento, uma declaração, não sabem preencher um formulário, sentem dificuldade para escrever um simples telegrama, uma carta, não conseguem encontrar informações num catálogo telefônico, num contrato de trabalho, numa conta de luz, numa bula de remédio... Esse novo fenômeno só ganha visibilidade depois que é minimamente resolvido o problema do analfabetismo e que o desenvolvimento social, cultural, econômico e político traz novas, intensas e variadas práticas de leitura e e de escrita, fazendo emergirem novas necessidades, além de novas alternativas de lazer. Aflorando o novo fenômeno, foi preciso dar um nome a ele: quando uma nova palavra surge na língua, é que um novo fenômeno surgiu e teve de ser nomeado. Por isso, e para nomear esse novo fenômeno, surgiu a palavra letramento.
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Compreendido o que é letramento, por que surgiu a palavra letramento, qual a origem da palavra letramento, pode-se voltar à diferença entre letramento e alfabetização:
Alfabetização = ação de ensinar/aprender a ler e a escrever
Letramento = estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita
cultiva = dedica-se a atividades de leitura e escrita
exerce = responde às demandas sociais de leitura e escrita
Precisaríamos de um verbo "letrar" para nomear a ação de levar os indivíduos ao letramento... Assim, teríamos alfabetizar e letrar como duas ações distintas, mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado.
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Alfabetizado e/ou letrado - uma nova pergunta se impõe.
Como diferenciar o apenas alfabetizado do letrado?
Eacute; difícil a resposta a essa pergunta, porque letramento envolve dois fenômenos bastante diferentes, a leitura e a escrita, cada um deles muito complexo, pois constituído de uma multiplicidade de habilidades, comportamentos, conhecimentos:
Ler
É um conjunto de habilidades e comportamentos que se estendem desde simplesmente decodificar sílabas ou palavras até ler Grande Sertão Veredas de Guimarães Rosa... uma pessoa pode ser capaz de ler um bilhete, ou uma história em quadrinhos, e não ser capaz de ler um romance, um editorial de jornal... Assim: ler é um conjunto de habilidades, comportamentos, conhecimentos que compõem um longo e complexo continuum: em que ponto desse continuum uma pessoa deve estar, para ser considerada alfabetizada, no que se refere à leitura? A partir de que ponto desse continuum uma pessoa pode ser considerada letrada, no que se refere à leitura?
Escrever
É também um conjunto de habilidades e comportamentos que se estendem desde simplesmente escrever o próprio nome até escrever uma tese de doutorado... uma pessoa pode ser capaz de escrever um bilhete, uma carta, mas não ser capaz de escrever uma argumentação defendendo um ponto de vista, escrever um ensaio sobre determinado assunto... Assim: escrever é também um conjunto de habilidades, comportamentos, conhecimentos que compõem um longo e complexo continuum: em que ponto desse continuum uma pessoa deve estar, para ser considerada alfabetizada, no que se refere à escrita? A partir de que ponto desse continuum uma pessoa pode ser considerada letrada, no que se refere à escrita?
Conclui-se que há diferentes tipos e níveis de letramento, dependendo das necessidades, das demandas do indivíduo e de seu meio, do contexto social e cultural.
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analfabeto e alfabetizado, alfabetizado e letrado:
conceitos imprecisos
Eleições de 1996. O jornal Folha de S.Paulo em 19 de julho de 1996 publica a seguinte notícia:
Candidaturas são impugnadas após teste de alfabetização
O juiz eleitoral de Itapetininga, Jairo Sampaio Incane Filho, 38, impugnou 20 dos 80 candidatos a prefeito e vereador das cidades de Itapetininga, Sarapuí e Alambari, na região de Sorocaba (87 km a oeste de São Paulo).
A impugnação foi motivada pelo fato de os candidatos terem sido reprovados em um teste de alfabetização realizado pelo juiz, no Fórum de Itapetininga.
Incane Filho disse que fez o texto com base na exigência contida na Lei Complementar nº 64/90, de 1992, do TRE (Tribunal Regional Eleitoral), que proíbe analfabetos de serem candidatos a cargos eletivos.
O juiz afirmou que convocou os 80 candidatos que disseram ter o 1º grau completo e nistraram dificuldades no preenchimento dos documentos para o registro de suas candidaturas.
Os testes com os candidatos foram feitos individualmente. Seus nomes são mantidos em sigilo. "Pedi a todos que lessem e interpretassem um texto de um jornal infantil. Em seguida, pedi que cada um redigisse um texto expondo sua lógica", disse.
Segundo incane Filho, erros gramaticais não foram levados em conta. "Apenas observei se o candidato tem condições de entender um texto, pois uma vez eleito, ele vai ter de trabalhar com leis e documentos."
A assessoria de imprensa do TRE informou que o tribunal transmitiu uma recomendação aos juízes para que "em caso de dúvida", façam "um teste de alfabetização" nos candidatos.

Baseado numa lei que "proíbe analfabetos de serem candidatos a cargos eletivos", o juiz submeteu candidatos a prefeito e a vereador a "um teste de alfabetização".
Que razões levaram o juiz a supor que 80 candidatos eram analfabetos?
Duas razões:
1ª) tinham 1° grau incompleto
2ª) mostraram dificuldades no preenchimento dos documentos para o registro de suas candidaturas
Portanto: para o juiz, um alfabetizado seria alguém que tivesse o 1° grau completo e preenchesse formulários sem dificuldades.
No entanto, o juiz admitiu que, embora não tendo o 1° grau completo e revelando dificuldades para preencher documentos de registro de candidatura, o candidato a prefeito ou vereador poderia ser considerado alfabetizado:
Segundo o juiz, que comportamentos o candidato deveria demonstrar, para não ser considerado analfabeto?
O candidato deveria:
* Ler e interpretar um texto;
* Redigir um texto sobre o texto lido.
O juiz definiu ainda o nível do texto que o candidato deveria ser capaz de interpretar e o critério de correção das respostas do candidato:
Segundo o juiz, o candidato deveria ser capaz de ler e interpretar que tipo de texto?
texto de um jornal infantil
Segundo o juiz, com que critérios os resultados do candidato deveriam ser avaliados?
* não levar em conta erros gramaticais
* verificar se o candidato tinha entendido o texto
O juiz admitiu, pois, que um candidato a prefeito ou a vereador poderia não ter o 1° grau completo, poderia enfrentar dificuldades para preencher documentos, mas deveria ser capaz de ler e interpretar um texto de jornal infantil, e de redigir um texto sobre o que lera, mesmo cometendo erros gramaticais; e justificou esses critérios:
Por que o juiz considerou que ser capaz de entender um texto era o critério adequado para avaliar se o candidato a prefeito ou vereador poderia ser considerado alfabetizado?
Porque, se eleito, ele teria de trabalhar com leis e documentos (que deveria saber ler e interpretar).
O juiz mostrou ter dois conceitos de alfabetização:
um conceito genérico, aplicável a qualquer pessoa - ter o 1° grau completo e ser capaz de preencher documentos, sem dificuldades;
um conceito específico, aplicável a pessoas que exercem a função de prefeito ou vereador - ser capaz de ler e interpretar textos legais e documentos oficiais.
Talvez você queira refletir um pouco mais sobre esse episódio:
* A alfabetização que o juiz considera necessária a prefeitos e vereadores estará sendo avaliada num teste que mede a capacidade de ler e interpretar um texto de jornal infantil ?
* Fica claro que, para o juiz, as práticas sociais que envolvem a língua escrita necessárias a prefeitos e vereadores são as de leitura de textos legais e documentos oficiais - é esta uma concepção adequada?
* Será que se pode concordar que o nível de alfabetização de um indivíduo deve ser definido pelas exigências das práticas sociais específicas que ele precisa ter com a escrita, segundo sua inserção no mundo do trabalho?
* Pense: o juiz procura avaliar o nível de alfabetização ou o nível de letramento dos candidatos?
Mas continuemos, porque o episódio não termina aí. Cerca de vinte dias depois, em 7 de agosto, o mesmo jornal Folha de S.Paulo publica a seguinte notícia:
TRE aprova candidatura de reprovados em teste
O plenário do Tribunal Regional Eleitoral aprovou ontem a candidatura de 30 políticos que foram reprovados em um teste de alfabetização aplicado pelo juiz eleitoral de Itapetininga, Jairo Sampaio Incane Filho, 38.
O juiz havia impugnado as candidaturas de políticos das cidades de Itapetininga, Sarapuí e Alambari, todas na região de Sorocaba (87 km a oeste de São Paulo). Eles tiveram de ler o texto de um suplemento infantil de um jornal e escrever algo sobre o que leram.
Incane Filho convocou para esse teste 80 candidatos que afirmaram não ter o primeiro grau completo. Os testes se basearam na lei complementar nº 64/90, de 1992, que proíbe analfabetos de serem candidatos a cargos eletivos.
O TRE reformou a sentença do juiz, considerando que os candidatos tinham "rudimentos" da alfabetização e que, portanto, não poderiam ser considerados analfabetos. para chegar a essa conclusão, os juízes utilizaram a definição do dicionário Aurélio para a palavra "analfabeto.
O TRE deverá julgar hoje outros onze recursos apresentados pelos candidatos impugnados daquelas cidades. A plicação de testes de alfabetização é uma orientação do próprio TRE a todos os juízes eleitorais do Estado.
Entre os candidatos impugnados pelo juiz Incane Fillho, havia um ex-prefito e seis vereadores. José Luiz Holtz (PSDB), ex-prefeito de Sarapuí, considerou a decisão do juiz de Itapetininga "um absurdo". Seu candidato a vice também foi impugnado.
Segundo o juiz Incane Filho, o teste que aplicou não levou em consideração os erros gramaticais, mas apenas a capacidade dos candidatos de entender um texto.
"Depois de eleitos, eles terão de trabalhar com leis e documentos", afirmou o juiz.

O Tribunal Regional Eleitoral - TRE - foi contrário ao conceito de alfabetização do juiz, considerando que os candidatos reprovados não eram analfabetos porque tinham "rudimentos da alfabetização":
Qual o critério do TRE para considerar que os candidatos não eram analfabetos?
A definição do dicionário Aurélio para a palavra "analfabeto".
Recorde a definição de analfabeto do dicionário Aurélio:
analfabeto: que não conhece o alfabeto; que não sabe ler e escrever
Portanto: o TRE considerou que os candidatos sabiam ler e escrever (já que tinham alguma ou algumas séries do 1° grau e, embora com dificuldades, enfrentaram os documentos de registro da candidatura), e assim, não eram analfabetos.
O juiz eleitoral e o TRE mostraram ter conceitos diferentes de alfabetização: o juiz eleitoral avaliava antes o letramento que a alfabetização dos candidatos - embora desconhecesse o conceito de letramento, preocupava-se com as práticas sociais de leitura e escrita que eles deveriam ter; o TRE avaliou apenas a alfabetização dos candidatos, porque se satisfez com os "rudimentos" de leitura e escrita que tinham, desconhecendo seu nível de letramento, pois não considerou suas habilidades de usar a leitura e a escrita.
Esse episódio evidencia:
* a imprecisão do conceito de alfabetização - pessoas ou grupos têm conceitos diferentes, o conceito varia de acordo com a situação, com o contexto;
* o fenômeno do letramento ainda é pouco percebido em nossa sociedade.
Analfabeto-alfabetizado, letrado-iletrado:
variações segundo as condições sociais e históricas
Um bom exemplo da variação do conceito de alfabetização ao longo do tempo e da dependência entre o fenômeno do letramento e as condições culturais e sociais é a comparação entre os critérios que foram no passado utilizados e os que hoje são utilizados para definir quem é analfabeto ou quem é alfabetizado nos recenseamentos da população brasileira.
Até a década de 40, o formulário do Censo definia o indivíduo como analfabeto ou alfabetizado perguntando-lhe se sabia assinar o nome: as condições culturais, sociais e políticas do país, até então, não exigiam muito mais que isso de grande parte da população. As pessoas aprendiam a desenhar o nome, apenas para poder votar ou assinar um contrato de trabalho.
A partir dos anos 40, o formulário do Censo passou a usar uma outra pergunta: sabe ler e escrever um bilhete simples( Apesar da impropriedade da pergunta [se quiser saber por quê, leia o quadro abaixo], ela já expressa um critério para definir quem é alfabetizado ou analfabeto que avança em relação ao critério de apenas saber escrever o nome: definir como analfabeto aquele que não sabe ler e escrever um bilhete simples indica já uma preocupação com os usos sociais da escrita, aproxima-se, pois, do conceito de letramento, e revela uma outra expectativa com relação ao alfabetizado - uma expectativa de que seja também letrado.
Leia mais
A mudança de critério para avaliação dos índices de analfabetismo no Brasil revela mudanças históricas, sociais, culturais. A comparação dos critérios utilizados aqui com os utilizados em países do Primeiro Mundo pode ser esclarecedora.
Analfabetismo no Primeiro Mundo?
É surpreendente quando os jornais noticiam a preocupação com altos níveis de "analfabetismo" em países como os Estados Unidos, a França, a Inglaterra; surpreendente porque: como podem ter altos níveis de analfabetismo países em que a escolaridade básica é realmente obrigatória e, portanto, praticamente toda a população conclui o ensino fundamental (que, nos países citados, tem duração maior que a do nosso ensino fundamental - 10 anos nos Estados Unidos e na França, 11 anos na Inglaterra). É que, quando a nossa mídia traduz para o português a preocupação desses países, traduz illiteracy (inglês) e illetrisme (francês) por analfabetismo. Na verdade, não existe analfabetismo nesses países, isto é, o número de pessoas que não sabem ler ou escrever aproxima-se de zero; a preocupação, pois, não é com os níveis de analfabetismo, mas com os níveis de letramento, com a dificuldade que adultos e jovens revelam para fazer uso adequado da leitura e da escrita: sabem ler e escrever, mas enfrentam dificuldades para escrever um ofício, preencher um formulário, registrar a candidatura a um emprego - os níveis de letramento é que são baixos.
Leia mais
No Brasil, há já algumas poucas pesquisas que procuram avaliar o nível de letramento de jovens e adultos; a tendência tem sido considerar como alfabetizado (o termo mais adequado seria letrado) o indivíduo que tenha pelo menos completado a 4ª série do ensino fundamental, com base no pressuposto de que são necessários no mínimo quatro anos de escolaridade para a apropriação da leitura e da escrita e de seus usos sociais. Quando se calcula o analfabetismo no Brasil com base nesse critério, o índice cresce assustadoramente...
Condições para o letramento
Termos despertado para o fenômeno do letramento - estarmos incorporando essa palavra ao nosso vocabulário educacional - significa que já compreendemos que nosso problema não é apenas ensinar a ler e a escrever, mas é, também, e sobretudo, levar os indivíduos - crianças e adultos - a fazer uso da leitura e da escrita, envolver-se em práticas sociais de leitura e de escrita.
No entanto, infere-se, de tudo que foi dito, que o nível de letramento de grupos sociais relaciona-se fundamentalmente com as suas condições sociais, culturais e econômicas. É preciso que haja, pois, condições para o letramento.
Uma primeira condição é que haja escolarização real e efetiva da população - só nos demos conta da necessidade de letramento quando o acesso à escolaridade se ampliou e tivemos mais pessoas sabendo ler e escrever, passando a aspirar a um pouco mais do que simplesmente aprender a ler e a escrever.
Uma segunda condição é que haja disponibilidade de material de leitura. O que ocorre nos países do Terceiro Mundo é que se alfabetizam crianças e adultos, mas não lhes são dadas as condições para ler e escrever: não há material impresso posto à disposição, não há livrarias, o preço dos livros e até dos jornais e revistas é inacessível, há um número muito pequeno de bibliotecas. Como é possível tornar-se letrado em tais condições( Isso explica o fracasso das campanhas de alfabetização em nosso país: contentam-se em ensinar a ler e escrever; deveriam, em seguida, criar condições para que os alfabetizados passassem a ficar imersos em um ambiente de letramento, para que pudessem entrar no mundo letrado, ou seja, num mundo em que as pessoas têm acesso à leitura e à escrita, têm acesso aos livros, revistas e jornais, têm acesso às livrarias e bibliotecas, vivem em tais condições sociais que a leitura e a escrita têm uma função para elas e tornam-se uma necessidade e uma forma de lazer.
Outro exemplo
Letramento e escola, letramento e educação de jovens e adultos
Quais as conseqüências de tudo isso para a escola? Para a educação de jovens e adultos?
O que significa alfabetizar?
O que significa "letrar"?
Quais as diferenças entre alfabetizar e "letrar"?
Como alfabetizar "letrando"?
Quando se pode dizer que uma criança ou um adulto estão alfabetizados? Quando se pode dizer que estão letrados?
Quais são as condições para que o aprender a ler e a escrever seja algo que realmente tenha sentido, uso e função para as pessoas(
É sempre bom terminar com perguntas e não com soluções; diz o grande escritor português Saramago:
Tudo no mundo está dando respostas,
o que demora é o tempo das perguntas.
Aí estão as perguntas; busquemos as respostas.

Este texto foi originalmente publicado no livro Letramento, um tema em três gêneros. Belo Horizonte, Editora Autêntica, 1998.